Por:
Hênio Santos de Almeida
SUMÁRIO
1. O Positivismo Lógico
2. O Falsificacionismo “Ingênuo”
3. As Revoluções Científicas
4. O Falsificacionismo “Sofisticado”
Referências
1. O Positivismo Lógico
Uma das concepções
epistemológicas surgidas no século XX foi o positivismo lógico. Seus principais
representantes provêm do Círculo de Viena. Os positivistas lógicos tinha uma
ambição: criar uma Ciência das Ciências. Partiam da Filosofia das Ciências, que
buscava dar um embasamento lógico às teorias científicas, na medida em que
cunharia as regras da linguagem científica, eliminando construções sem sentido.
Para eles, o valor da Matemática e da Lógica advinha da capacidade de deduções
válidas e verdadeiras. Para a ciência, no entanto, seria utilizada a indução: a
partir de observações, seriam feitas generalizações.
Uma das exigências do
positivismo lógico é a base observável da teoria. Para eles, uma teoria seria
aceita ou recusada apenas a partir das observações ou experiências. O critério
de demarcação de ciência e não-ciência é, para eles, a existência de um método
– o indutivo – baseado na observação, bem como a verificação das teorias
mediante observação e experimentos. A tarefa da Filosofia das Ciências seria
“analisar logicamente os conceitos científicos.”(ALVES-MAZZOTTI, p. 12) A
Filosofia da Ciência, dessa forma, teria o papel de definidora das condições
universais que diferenciariam a ciência da pseudociência. Já a Ciência das
Ciências do Círculo de Viena tinha a pretensão de ditar as regras do fazer
científico. Isso se daria no momento em que os cientistas, ao confrontarem-se
com os problemas de sua atividade, utilizar-se-iam da linguagem previamente
definida. Com tal empreendimento, no entanto, perde-se a dimensão histórica da
ciência, tendo, por conseguinte, um “congelamento” do fazer científico.
2. O Falsificacionismo “Ingênuo”
Esta corrente de
pensamento insere-se na chamada Filosofia das Ciências. Um de seus principais
expoentes foi Karl Popper. Popper criticava a concepção de indução dos
positivistas lógicos, demonstrando que não há lógica no método indutivo, pois
nada indica que as observações futuras seguirão os padrões das atuais. Dessa
forma, ele diferencia-se do Círculo de Viena ao demonstrar que o critério de
demarcação entre ciência e não-ciência não deve ser a verificação, mas a
falsificação. Daí provém o nome: falsificacionismo. Popper acreditava que as
regularidades que impomos ao mundo são princípios apriorísticos da estrutura de
nosso pensamento, mas não são válidos a priori, ou seja, podem estar
equivocados. Dessa forma, ele entende que essa imposição é uma adequação do mundo
às nossas categorias.
Ele critica os
fundamentos do positivismo lógico, ao defender que a observação é derivada de
uma teoria anterior. Com isso, tenta provar que a observação não pode verificar
uma teoria, pois a teoria a ser verificada foi que deu os parâmetros de
verificação. A utilidade da observação para Popper deriva da capacidade de
refutar uma teoria científica. Esta refutabilidade é o critério de demarcação
de ciência e não-ciência, uma vez que a aceitação da refutação leva a uma
atitude crítica e a negação dessa refutação a uma atitude dogmática.
Popper permanece no
positivismo, contudo, quando dá tal poder à observação: é a observação que
refuta a teoria, ou seja, a partir da lógica tiram-se inferências que serão
testadas em experiências. “A observação e a experimentação repetidas funcionam
na ciência como testes de nossas conjecturas ou hipóteses – isto é, como
tentativas de refutação.” (POPPER, p. 83) Uma vez que tais testes revelem que a
teoria errou em sua previsão, tal teoria deve ser refutada. É um positivismo
quanto à falsificação e não quanto à verificação, pois as duas concepções dão
caráter decisivo à observação (ou experimentação):“[...] o destino de uma
teoria – sua aceitação ou rejeição – é decidido pela observação e pela experimentação:
pelo resultado dos testes [...].” (POPPER, p. 84)
Popper conseguiu fazer
críticas contundentes à concepção positivista, mas não se diferenciou
suficientemente. Ademais, sua teoria dá a entender que qualquer observação pode
derrubar uma teoria científica, fato por demais duvidoso e que dará as linhas
mestras das críticas a este falsificacionismo“ingênuo”.
3. As Revoluções Científicas
Thomas Kuhn desenvolveu
uma História das Ciências. Para ele, o argumento popperiano da falsificação não
se evidenciava na história. Kuhn identifica a ciência como uma atividade
composta de três momentos:
Período
pré-paradigmático – várias teorias disputam entre si o status de paradigma;
Período paradigmático ou
de ciência normal – um paradigma se impõe;
Período pós-paradigmático
– novos candidatos a paradigma entram em cena.
Kuhn não concebe que a
observação possa refutar uma teoria, como queriam os falsificacionistas, pois
“[...] nenhum
processo descoberto até agora pelo estudo histórico do desenvolvimento científico
assemelha-se ao estereótipo da falsificação por meio da comparação direta com a
natureza. [...] O juízo que leva os cientistas a rejeitarem uma teoria
previamente aceita, baseia-se sempre em algo mais que essa comparação da teoria
com o mundo”. (KUHN, p. 108)
Kuhn também é contrário
à ideia de acumulação científica presente no positivismo. Uma revolução
científica, segundo ele, é diferente da rearticulação do paradigma anterior: o
antigo paradigma “é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível
com o anterior”. (KUHN, p. 125)
Quanto à pergunta: “o
que leva a uma revolução científica?”, Kuhn entende que é o acúmulo de
anomalias que o paradigma não consegue resolver. Isto chama a atenção de alguns
cientistas que buscam solucioná-las. A opção dos cientistas por um paradigma,
segundo Kuhn, se dá em virtude de diversos fatores, dentre os quais a crença no
potencial do novo paradigma.
Para Kuhn, um paradigma
é o proponente de problemas e soluções a esses problemas. No período de ciência
normal, ele identifica um processo de acúmulo dentro do paradigma (cf.: KUHN,
p. 77). Mas para evitar confusões, ele deixa claro que não entende paradigma
como uma teoria, pois “nem todas as teorias são teorias paradigmáticas”. (KUHN,
p. 87) A tese de Kuhn é de que não há como julgar qual paradigma é mais
eficiente entre dois ou mais candidatos a paradigmas. Este é o aspecto da
incomensurabilidade dos paradigmas. Mas revolução do pensamento queniano se dá
quando ele afirma que
“[...] o progresso
científico não difere daquele obtido em outras áreas, mas a ausência, na maior
parte dos casos, de escolas competidoras que questionem mutuamente seus
objetivos e critérios, torna bem mais fácil perceber o progresso de uma
comunidade científica normal”. (KUHN, p. 205).
Com essa afirmação, ele
defende que a diferença entre ciência e não-ciência não é, como queriam os
positivistas, a existência de um método ou, como queriam os falsificacionistas,
a possibilidade de falsear uma teoria a partir da observação, mas a ausência de
visões de mundo competidoras. Dessa forma, ele defende a atitude dogmática dos
cientistas, uma vez que estes devem trabalhar e não se indagar sobre os
fundamentos de seu campo de atuação, pois somente assim a ciência progride
(cf.: KUHN, p. 192).
4. O Falsificacionismo
“Sofisticado”
Imre Lakatos aceitou as
críticas de Kuhn, desenvolvendo uma versão mais sofisticada do
falsificacionismo popperiano. Nesta versão, a teoria não é simplesmente
abandonada se houver uma observação que a negue. Lakatos entende que uma teoria
somente é falsificada se existir uma nova teoria que explique tudo o que a
teoria falsificada explicava mais um elemento (cf.: LAKATOS, p. 37). Esta
novidade se dá em dois níveis: no nível lógico e no nível empírico. No nível
lógico, a teoria nova precisa prever algo que a antiga não previa ou proibia.
No nível empírico, é preciso haver verificação de alguma das previsões adicionais
da teoria.
Por isso, Lakatos
entende que não são avaliadas teorias isoladas, mas várias teorias (cf.:
LAKATOS, p. 39). Isso porque é preciso avaliar a nova em relação à antiga. Com
isso, ele mantém a ideia de acúmulo científico, uma vez que a atual teoria é
melhor que a antiga justamente por ter algo que a antiga não tinha. O critério
para demarcação entre teorias científicas e pseudocientíficas é esse progresso
teorético e empírico. As teorias que não trazem este progresso são chamadas por
ele de teorias degenerativas. Desta forma, uma teoria pode ser científica e
degenerativa ao mesmo tempo, se ela não trouxer o elemento adicional à teoria
anterior.
Lakatos entende que uma
teoria vai ser falsificada somente quando uma teoria da série tiver maior conteúdo
corroborado – nos dois níveis: teorético e empírico. Para ele, “um dado facto é
explicado cientificamente somente se um facto novo é também explicado”.
(LAKATOS, p. 39) Isso significa fundamentalmente que uma teoria isolada não
pode ser científica ou pseudocientífica. Ela só adquirirá um caráter científico
em comparação a outras teorias anteriores.
Diferente de Kuhn,
Lakatos entende que é possível mensurar as diferenças nos “programas
científicos”. Diferente de Popper, ele entende que não há falsificação antes do
surgimento de uma nova teoria. Com isso, rompe com o positivismo também, uma
vez que não se trata de avaliar a teoria de acordo com sua adequação à
observação, mas em uma relação dialógica entre observação e teorias anteriores,
e porque é a teoria que deve criar novos fatos.
Para fortalecer seu
argumento, Lakatos defende que em um programa científico existe um cinturão de
teorias que serve apenas para proteger o centro. Este cinturão protetor pode
ser alterado indefinidamente, contanto que o núcleo do programa não seja
atingido: “o falsificacionismo sofisticado acentua a urgência da substituição
de qualquer hipótese por outra melhor”. (LAKATOS, p. 42)
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Sobre
o Trabalho Teórico. Porto: Presença, 1978.
ALVES-MAZZOTTI, Alda
Judith e GEWANDSZNAJDER, Fernando. “Ciência Natural: Os pressupostos
filosóficos”. in: O Método nas Ciências Naturais e Sociais: pesquisa
quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 2001.
BACHELARD, Gaston. “As
modalidades da ciência”. in: BOURDIEU, Pierre. A profissão do sociólogo:
preliminares epistemológicas. Petrópolis: Vozes, 1999.
CANGUILHEM, Georges. “O
neopositivismo, acasalamento do sensualismo com o formalismo.” in: BOURDIEU,
Pierre. A profissão do sociólogo: preliminares epistemológicas. Petrópolis:
Vozes, 1999.
KUHN, Thomas Samuel. “As
revoluções como mudança de concepções de mundo”. in: A Estrutura das Revoluções
Científicas. São Paulo: Perspectivas, 1998.
LAKATOS, Imre. “Ciência:
Razão ou religião?”. in: Falsificação e Metodologia dos programas de
investigação científica. Lisboa: Edições 70, 1999.
LECOURT, Dominique. Para
uma crítica da epistemologia. Lisboa: Maspero, 1972.
POPPER, Karl
Raimund.“Ciência: Conjecturas e refutações”. in: Conjecturas e Refutações. 2ª
ed. Brasília: UNB, 1982.