segunda-feira, 30 de junho de 2014

ESCRITORES FALAM SOBRE O ESCREVER: 10 CONSELHOS ÚTEIS

Por ocasião da leitura das famosas entrevistas da Paris Review, resolvi extrair algumas mensagens de escritores sobre como escrevem seus textos. Espero que as dez formulações abaixo auxiliem quem deseja se dedicar à arte da escrita.

1.   “Sempre sonhe e atire mais alto do que você sabe que pode fazer. Não se preocupe somente em ser melhor do que os seus contemporâneos ou predecessores. Tente ser melhor do que você mesmo.” (William Faulkner)

2.   “O único recurso que conheço é o trabalho. A escrita tem leis de perspectiva, luz e sombra, assim como a pintura ou a música. Se você já nasceu conhecendo-as, ótimo. Se não, precisa aprendê-las. E depois precisa rearranjar as regras a fim de adaptá-las a si próprio.” (Truman Capote)

3.   “Quando estou trabalhando em um livro ou em um conto, escrevo todas as manhãs, o mais cedo possível, logo depois do raiar do sol. Ninguém vem pertubá-lo, ainda está fresco, ou frio, e você pega no trabalho, e vai se aquecendo enquanto escreve.” (Ernest Hemingway)

4.  “Você não precisa dele [o amor nos romances]. Você deve ter modéstia quando é um romancista.”  (Louis-Ferdinand Céline)

5.   “Depois descobri que as metáforas realmente boas são sempre as mesmas. Quer dizer, você compara o tempo a uma estrada, a morte ao sono, a vida ao sonho, e são essas as grandes metáforas da literatura, porque elas correspondem a algo de essencial.” (Jorge Luis Borges)

6.   “Ele [o escritor] deve ser julgado pelo prazer que proporciona e pela emoção que se tem com ele.” (Jorge Luis Borges)

7.   “Levo muito tempo para acordar, então de manhã escrevo cartas, reviso traduções – coisas que não me exigem muito. De tarde, vou à praia e nado por 20 minutos. Volto, como, dou uma cochilada. Sem essa cochilada não há possibilidade de criação. Das 4 às 8, trabalho para valer.” (Manuel Puig)

8.    “Se um autor estiver convencido de que é honesto e tem algo fundamental a dizer, é muito difícil que seja um mau escritor. Sente-se obrigado a passar, a transmitir suas ideias de modo claro. Por outro lado, se um escritor nada tem a dizer, mesmo que maneje as ferramentas da escrita, será um escritor menor.” (Primo Levi)

9.  “Um escritor que esteja numa manhã produtiva, as frases fluindo uma após a outra, experimenta uma alegria serena e íntima. Essa alegria por si só libera, então, uma riqueza de pensamentos que pode gerar novas surpresas. Os escritores anseiam por momentos como esses, por manhãs como essas.” (Ian McEwan)


10. “Fico trabalhando num parágrafo até me sentir razoavelmente satisfeito com ele, escrevendo-o e reescrevendo-o até encontrar a forma exata, o equilíbrio exato, a música exata – até que pareça transparente e espontâneo, e não mais algo que foi “escrito”. Pode levar um dia, metade de um dia, uma hora ou três dias.” (Paul Auster)

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Fontes: As entrevistas da Paris Review. Volume 1. Tradução de Christian Schwartz e Sérgio Alcides. São Paulo: Companhia das Letras, 2011; e As entrevistas da Paris Review. Volume 2. Tradução de George Schlesinger. 1ª- ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Funk do Jean-Paul Sartre

Feito por Maurício Ricardo, esta cômica charge oferece um divertido resumo da teoria da liberdade absoluta do filósofo francês Jean-Paul Charles Aymard Sartre.
Espero que desfrutem e lhes seja útil.

domingo, 10 de junho de 2012

Tradução do texto de Kierkegaard (Øieblikket Nr. 2, § 9)

SE REALMENTE SOMOS CRISTÃOS, EO IPSO[1] O NOVO TESTAMENTO JÁ NÃO É O GUIA PARA O CRISTÃO NEM PODE SÊ-LO[2]

Søren Aabie Kierkegaard
Tradução: Rev. Hênio Santos de Almeida[3]

Sob os supostos dados, o Novo Testamento não é nem pode ser o guia para o cristão; pois o caminho mudou e é totalmente distinto ao do Novo Testamento.

Portanto, o Novo Testamento, considerado como guia para o cristão, se converte, sob aqueles supostos, em uma raridade histórica, quase como um guia para viajantes num determinado país quando no dito país tudo se modificou. Um guia deste tipo já não tem validade para os viajantes por este país. No máximo, tem valor como leitura de entretenimento. Enquanto avançamos num trem com rapidez pela via, lemos no guia: “Aqui se encontra o terrível abismo dos Lobos, pelo qual alguém pode precipitar-se 70.000 braçadas sob a terra”; enquanto alguém numa acolhedora tabacaria está fumando seu cigarro, lê no manual: “Aqui é onde tem seu refúgio um bando de ladrões que assalta e maltrata aos viajantes”: “aqui é”, quer dizer: aqui era, pois agora –e resulta divertido imaginar como era– já não há nenhum abismo de Lobos, senão as vias de trem, e nenhuma banda de ladrões, senão uma acolhedora tabacaria.

Se na realidade fossemos cristãos, se cristianamente fosse correto falar de “cristandade” e de um mundo cristão, então eu gritaria o mais alto possível para que me escutassem no céu: Tu, Infinito, se alguma vez te mostras-te como amor, foi na verdade desamor de tua parte não dar-nós a conhecer que o Novo Testamento já não é o guia (o manual) para os cristãos! Enquanto tudo se transformou em seu contrário e ainda assim é verdade que seguimos sendo cristãos, que terrível angustiar aos débeis com o fato de que tua Palavra não haja sido, todavia, revogada nem mudada!

Porém, que Deus seja assim, não o posso aceitar; e por tanto me vejo obrigado a ensaiar outra explicação que, por outra parte, me convence muito mais: tudo isto da “cristandade” e “o mundo cristão” é uma canalhice dos homens; que realmente sejamos cristãos é uma ilusão promovida por esses canalhas; o Novo Testamento totalmente inalterado é, ao contrário, o guia para os cristãos, aos quais sempre lhes irá neste mundo como se lê no Novo Testamento, e que não deveriam deixar-se distrair pelo fato de que aos cristãos canalhas lhes vá de outra maneira neste mundo, o mundo das canalhices.



[1] No original, consta esta expressão em latim. Significa: “então” ou “automaticamente” (Nota do Tradutor).
[2] Título do original: Øieblikket Nr. 2, § 9.  Infelizmente, a presente tradução que o leitor tem em mãos não foi vertida diretamente do original, senão efetuada por meio das traduções do referido texto para o francês e o espanhol.
[3] E-mail para contato: henio_sa@hotmail.com

O "Dia Intenacional da Mulher"... Mas para quê?

Por: Hênio Santos de Almeida



“Ninguém nasce mulher. Torna-se mulher.”
(Simone de Beauvoir)

 “É uma menina!” Geralmente é o que dizem as pessoas quando nasce uma criança do sexo feminino. Mas poucas pessoas reconhecem o que está implícito nessa fala. Ela não significa apenas uma mera constatação, mas implica numa expectativa social: nasceu menina, logo deverá portar-se como menina.

Muito mais do que apenas designar o sexo, “ser mulher” significa assumir um papel social. E, nesse caso, nascer mulher pode não ser tão bom quanto parece. Basta que nos lembremos do papel social que ainda se atribui à mulher: o dever sagrado de ser mãe (e boa mãe) – como se não ter filhos fosse um pecado; casar-se – como se não se casar fosse algo imperdoável; brincar brincadeiras de menina – que devem prepará-la para que na vida aja exatamente como dela se espera (por isso as bonecas são uma antecipação do que lhe está reservado); etc.

A mulher cai assim numa armadilha: ao dizer que nasceu “mulher”, assume um papel e veste um personagem inventado por uma sociedade machista. “Não se nasce mulher” no sentido de que os valores que a sociedade impõe com essa classificação a uma pessoa não nasceram com ela. Assumir-se como “mulher”simplesmente por ter nascido com um aparelho genital feminino é jogar fora as possibilidades de fazer-se uma verdadeira mulher constituída não pelos pressupostos sociais, mas pela sua própria personalidade.

É preciso que as mulheres hoje se tornem mulheres para si mesmas. Com isso quero dizer que se ouve muito sobre o que as pessoas esperam de uma “boa mulher”, mas muito pouco se ouve sobre o que a mulher espera de si mesma. Se uma mulher diz:“não quero filhos agora, pois quero me formar primeiro”, logo é tachada de egoísta ou coisa semelhante. Se uma mulher diz: “quero ter minha independência financeira antes de me casar”, logo as pessoas desconfiam dela.

A mulher está hoje entre o que a sociedade proclama como “ser mulher” e ela mesma. A mulher pode escolher tornar-se uma mulher para a sociedade ou tornar-se uma mulher para si mesma independentemente do que as outras pessoas dirão a respeito dela. Mas se ela opta por ser si mesma, deve estar preparada para as adversidades que a sociedade lhe imporá.

A mulher é assim um ser subjetivo que pode tornar-se aquilo que ela quiser ser e“contrariar” a sociedade que a envolve. Nada nem ninguém pode dizer o que é uma mulher, posto haver várias formas de ser mulher e que cada uma deve descobrir seu próprio jeito de realizar-se como mulher.

Mas é necessário que a mulher que está se tornando mulher se aperceba das armadilhas que a sociedade coloca em seu caminho. Um bom exemplo de uma delas é este“dia da mulher”. Por que a mulher ganhou um dia especial? Porque os outros dias não são dela. Dá-se um dia à mulher para que nesse dia se possa dizer a ela, por meio de poemas e até de eventos religiosos, quem ela é, o que ela não pode ou deve ser. É um dia não apenas de interesse comercial, mas muito mais ideológico.

Claro e óbvio é que podemos ressignificar o “dia da mulher”, assim como podemos ressignificar todos os dias do ano. O importante mesmo é que não nos esqueçamos de que dentro de cada mulher habita uma mulher em desconstrução, construção e reconstrução, e assim tenhamos sempre vívido em nossa consciência que não existe uma mulher ideal que todas as mulheres devem alcançar, mas existe o ideal que as pessoas fazem da mulher.

Que cada mulher seja única e verdadeiramente si mesma.

A Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer

REFERENCIA: HORKHEIMER, Max. & ADORNO, Theodor W. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Riode Janeiro: Jorge Zahar, 1985 (Título do original: Dialektik der Aufklarüng –Philosophische Fragmente. Tradução: Guido Antonio de Almeida).


Por: Hênio Santos de Almeida



No inicio do progresso do pensamento, o esclarecimento absorveu para si duas tarefas:
1ª) Livrar os homens do medo;
2ª) Investi-los na posição de senhores.
Para tanto, era necessário que o esclarecimento conseguisse desencantar o mundo. Para isto, era também necessário que ele conseguisse substituir os mitos pelo saber. Bacon foi o primeiro a reunir tais temas que tiveram sua união impossibilitada por conceitos vãos e experimentos erráticos.
“A superioridade do homem está no saber”, sendo que mesmo os reis não podem comprar tal saber. Este saber desconhece barreiras.
A proposta do esclarecimento era a supressão das barreiras, sem visar conceitos ou imagens, mas valorizando método. Com isso, o conhecimento da natureza é utilizado para dominação de si mesma e dos homens. Mas não basta apenas um pensamento crítico, deve-se possuir um pensamento meta-crítico. Pois, “[...] só o pensamento que se faz violência a si mesmo é suficientemente duro para destruir os mitos.” A verdade neste caso, não é o objetivo final, mas sim a operation(também denominado de procedimento eficaz).
A investigação de Adorno e Horkheimer quanto ao conceito de esclarecimento parte da percepção de que a busca pelo esclarecimento é a busca pela superação do medo, ao mesmo tempo em que coloca o homem na posição de senhor da natureza e de outros homens. Esta busca pelo esclarecimento, que é a busca pelo saber, é o que diferencia o ser humano. O projeto do esclarecimento era a demitologização do mundo, através da ciência e da técnica. “Não deve haver nenhum mistério, mas tampouco o desejo de sua revelação”.
Para desencantar o mundo, os autores identificam a estratégia do esclarecimento: supressão da filosofia pela ciência, do conceito pela fórmula, que seria mais “neutra”. Para tanto, era necessário que as idéia “universais” fossem destruídas, pois “na autoridade dos conceitos universais ele [Bacon] crê enxergar ainda o medo pelos demônios, cujas imagens eram o meio, de que se serviam os homens, no ritual mágico, para tentar influenciar a natureza”. Há, dessa forma, a delimitação do espaço de ação da ciência: a imanência, sem se submeter a nada externo, oculto ou superior.
Os autores passam a analisar os mitos, para compreender a que o esclarecimento se propunha. Para os esclarecidos, os mitos podem ser reduzidos a um denominador comum, que é o sujeito. A partir disso, os autores percebem semelhanças na estrutura dos mitos e no projeto esclarecedor: para este último, é necessário reduzir toda a natureza a um número e, por fim, ao uno.
A argumentação dos autores dá atenção para os mitos novamente, afirmando que estes já eram produto do esclarecimento. “O mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também expor, fixar, explicar”. Os próprios mitos propunham alterações e supressões, separando elementos materiais das respectivas divindades. A atividade do mito torna a realidade um mero objeto da ação humana, com o preço da alienação dessa mesma realidade.
Neste sentido, o projeto do esclarecimento ao reduzir tudo ao uno, acaba por destruir a identidade: nada pode ser idêntico a si mesmo. No entanto, essa pretensão de unidade e igualdade não pode ser obtida sem a utilização da coerção social. Com isso, os autores identificam certa semelhança entre a abstração esclarecedora e o destino mitológico: comporta-se como um processo de liquidação.
A continuidade da argumentação tece comentários sobre a arte autêntica e a imitação. É neste momento que se dá a separação do signo e da imagem, que a filosofia vai tentar, em vão, superar depois. A arte seria como que um ancoradouro, onde o homem poderia encontrar refúgio quando o conhecimento o desamparasse.
Criticando as pretensões de filósofos como Platão e Aristóteles, o esclarecimento propõe um nominalismo. “O esclarecimento nominalista detém-se diante do nomen, o conceito sem extensão, punctual, o nome próprio”.Isso podia ser visto com clareza na religião judaica, argumentam os autores, onde era proibido pronunciar o nome de Deus.
Os autores acusam o esclarecimento de ter se tornado ele próprio um mito. Isso por ele ter um caráter totalitário, pois o processo está definido de antemão, como numa equação, onde mesmo sem conhecer o valor da incógnita, já foi reduzida e uma igualdade. “O pensar reifica-se num processo automático e autônomo, emulando a máquina que ele próprio produz para que ela possa finalmente substituí-lo”.

A Ciência dos Cientistas: teorias epistemológicas acerca do fazer científico

Por: Hênio Santos de Almeida


SUMÁRIO
1. O Positivismo Lógico
2. O Falsificacionismo “Ingênuo”
3. As Revoluções Científicas
4. O Falsificacionismo “Sofisticado”
Referências





1. O Positivismo Lógico

Uma das concepções epistemológicas surgidas no século XX foi o positivismo lógico. Seus principais representantes provêm do Círculo de Viena. Os positivistas lógicos tinha uma ambição: criar uma Ciência das Ciências. Partiam da Filosofia das Ciências, que buscava dar um embasamento lógico às teorias científicas, na medida em que cunharia as regras da linguagem científica, eliminando construções sem sentido. Para eles, o valor da Matemática e da Lógica advinha da capacidade de deduções válidas e verdadeiras. Para a ciência, no entanto, seria utilizada a indução: a partir de observações, seriam feitas generalizações.

Uma das exigências do positivismo lógico é a base observável da teoria. Para eles, uma teoria seria aceita ou recusada apenas a partir das observações ou experiências. O critério de demarcação de ciência e não-ciência é, para eles, a existência de um método – o indutivo – baseado na observação, bem como a verificação das teorias mediante observação e experimentos. A tarefa da Filosofia das Ciências seria “analisar logicamente os conceitos científicos.”(ALVES-MAZZOTTI, p. 12) A Filosofia da Ciência, dessa forma, teria o papel de definidora das condições universais que diferenciariam a ciência da pseudociência. Já a Ciência das Ciências do Círculo de Viena tinha a pretensão de ditar as regras do fazer científico. Isso se daria no momento em que os cientistas, ao confrontarem-se com os problemas de sua atividade, utilizar-se-iam da linguagem previamente definida. Com tal empreendimento, no entanto, perde-se a dimensão histórica da ciência, tendo, por conseguinte, um “congelamento” do fazer científico.

2. O Falsificacionismo “Ingênuo”

Esta corrente de pensamento insere-se na chamada Filosofia das Ciências. Um de seus principais expoentes foi Karl Popper. Popper criticava a concepção de indução dos positivistas lógicos, demonstrando que não há lógica no método indutivo, pois nada indica que as observações futuras seguirão os padrões das atuais. Dessa forma, ele diferencia-se do Círculo de Viena ao demonstrar que o critério de demarcação entre ciência e não-ciência não deve ser a verificação, mas a falsificação. Daí provém o nome: falsificacionismo. Popper acreditava que as regularidades que impomos ao mundo são princípios apriorísticos da estrutura de nosso pensamento, mas não são válidos a priori, ou seja, podem estar equivocados. Dessa forma, ele entende que essa imposição é uma adequação do mundo às nossas categorias.

Ele critica os fundamentos do positivismo lógico, ao defender que a observação é derivada de uma teoria anterior. Com isso, tenta provar que a observação não pode verificar uma teoria, pois a teoria a ser verificada foi que deu os parâmetros de verificação. A utilidade da observação para Popper deriva da capacidade de refutar uma teoria científica. Esta refutabilidade é o critério de demarcação de ciência e não-ciência, uma vez que a aceitação da refutação leva a uma atitude crítica e a negação dessa refutação a uma atitude dogmática.

Popper permanece no positivismo, contudo, quando dá tal poder à observação: é a observação que refuta a teoria, ou seja, a partir da lógica tiram-se inferências que serão testadas em experiências. “A observação e a experimentação repetidas funcionam na ciência como testes de nossas conjecturas ou hipóteses – isto é, como tentativas de refutação.” (POPPER, p. 83) Uma vez que tais testes revelem que a teoria errou em sua previsão, tal teoria deve ser refutada. É um positivismo quanto à falsificação e não quanto à verificação, pois as duas concepções dão caráter decisivo à observação (ou experimentação):“[...] o destino de uma teoria – sua aceitação ou rejeição – é decidido pela observação e pela experimentação: pelo resultado dos testes [...].” (POPPER, p. 84)

Popper conseguiu fazer críticas contundentes à concepção positivista, mas não se diferenciou suficientemente. Ademais, sua teoria dá a entender que qualquer observação pode derrubar uma teoria científica, fato por demais duvidoso e que dará as linhas mestras das críticas a este falsificacionismo“ingênuo”.

3. As Revoluções Científicas

Thomas Kuhn desenvolveu uma História das Ciências. Para ele, o argumento popperiano da falsificação não se evidenciava na história. Kuhn identifica a ciência como uma atividade composta de três momentos:

Período pré-paradigmático – várias teorias disputam entre si o status de paradigma;

Período paradigmático ou de ciência normal – um paradigma se impõe;

Período pós-paradigmático – novos candidatos a paradigma entram em cena.

Kuhn não concebe que a observação possa refutar uma teoria, como queriam os falsificacionistas, pois

[...] nenhum processo descoberto até agora pelo estudo histórico do desenvolvimento científico assemelha-se ao estereótipo da falsificação por meio da comparação direta com a natureza. [...] O juízo que leva os cientistas a rejeitarem uma teoria previamente aceita, baseia-se sempre em algo mais que essa comparação da teoria com o mundo”. (KUHN, p. 108)

Kuhn também é contrário à ideia de acumulação científica presente no positivismo. Uma revolução científica, segundo ele, é diferente da rearticulação do paradigma anterior: o antigo paradigma “é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior”. (KUHN, p. 125)

Quanto à pergunta: “o que leva a uma revolução científica?”, Kuhn entende que é o acúmulo de anomalias que o paradigma não consegue resolver. Isto chama a atenção de alguns cientistas que buscam solucioná-las. A opção dos cientistas por um paradigma, segundo Kuhn, se dá em virtude de diversos fatores, dentre os quais a crença no potencial do novo paradigma.

Para Kuhn, um paradigma é o proponente de problemas e soluções a esses problemas. No período de ciência normal, ele identifica um processo de acúmulo dentro do paradigma (cf.: KUHN, p. 77). Mas para evitar confusões, ele deixa claro que não entende paradigma como uma teoria, pois “nem todas as teorias são teorias paradigmáticas”. (KUHN, p. 87) A tese de Kuhn é de que não há como julgar qual paradigma é mais eficiente entre dois ou mais candidatos a paradigmas. Este é o aspecto da incomensurabilidade dos paradigmas. Mas revolução do pensamento queniano se dá quando ele afirma que

[...] o progresso científico não difere daquele obtido em outras áreas, mas a ausência, na maior parte dos casos, de escolas competidoras que questionem mutuamente seus objetivos e critérios, torna bem mais fácil perceber o progresso de uma comunidade científica normal”. (KUHN, p. 205).

Com essa afirmação, ele defende que a diferença entre ciência e não-ciência não é, como queriam os positivistas, a existência de um método ou, como queriam os falsificacionistas, a possibilidade de falsear uma teoria a partir da observação, mas a ausência de visões de mundo competidoras. Dessa forma, ele defende a atitude dogmática dos cientistas, uma vez que estes devem trabalhar e não se indagar sobre os fundamentos de seu campo de atuação, pois somente assim a ciência progride (cf.: KUHN, p. 192).

4. O Falsificacionismo “Sofisticado”

Imre Lakatos aceitou as críticas de Kuhn, desenvolvendo uma versão mais sofisticada do falsificacionismo popperiano. Nesta versão, a teoria não é simplesmente abandonada se houver uma observação que a negue. Lakatos entende que uma teoria somente é falsificada se existir uma nova teoria que explique tudo o que a teoria falsificada explicava mais um elemento (cf.: LAKATOS, p. 37). Esta novidade se dá em dois níveis: no nível lógico e no nível empírico. No nível lógico, a teoria nova precisa prever algo que a antiga não previa ou proibia. No nível empírico, é preciso haver verificação de alguma das previsões adicionais da teoria.

Por isso, Lakatos entende que não são avaliadas teorias isoladas, mas várias teorias (cf.: LAKATOS, p. 39). Isso porque é preciso avaliar a nova em relação à antiga. Com isso, ele mantém a ideia de acúmulo científico, uma vez que a atual teoria é melhor que a antiga justamente por ter algo que a antiga não tinha. O critério para demarcação entre teorias científicas e pseudocientíficas é esse progresso teorético e empírico. As teorias que não trazem este progresso são chamadas por ele de teorias degenerativas. Desta forma, uma teoria pode ser científica e degenerativa ao mesmo tempo, se ela não trouxer o elemento adicional à teoria anterior.

Lakatos entende que uma teoria vai ser falsificada somente quando uma teoria da série tiver maior conteúdo corroborado – nos dois níveis: teorético e empírico. Para ele, “um dado facto é explicado cientificamente somente se um facto novo é também explicado”. (LAKATOS, p. 39) Isso significa fundamentalmente que uma teoria isolada não pode ser científica ou pseudocientífica. Ela só adquirirá um caráter científico em comparação a outras teorias anteriores.

Diferente de Kuhn, Lakatos entende que é possível mensurar as diferenças nos “programas científicos”. Diferente de Popper, ele entende que não há falsificação antes do surgimento de uma nova teoria. Com isso, rompe com o positivismo também, uma vez que não se trata de avaliar a teoria de acordo com sua adequação à observação, mas em uma relação dialógica entre observação e teorias anteriores, e porque é a teoria que deve criar novos fatos.

Para fortalecer seu argumento, Lakatos defende que em um programa científico existe um cinturão de teorias que serve apenas para proteger o centro. Este cinturão protetor pode ser alterado indefinidamente, contanto que o núcleo do programa não seja atingido: “o falsificacionismo sofisticado acentua a urgência da substituição de qualquer hipótese por outra melhor”. (LAKATOS, p. 42)


REFERÊNCIAS


ALTHUSSER, Louis. Sobre o Trabalho Teórico. Porto: Presença, 1978.

ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith e GEWANDSZNAJDER, Fernando. “Ciência Natural: Os pressupostos filosóficos”. in: O Método nas Ciências Naturais e Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 2001.

BACHELARD, Gaston. “As modalidades da ciência”. in: BOURDIEU, Pierre. A profissão do sociólogo: preliminares epistemológicas. Petrópolis: Vozes, 1999.

CANGUILHEM, Georges. “O neopositivismo, acasalamento do sensualismo com o formalismo.” in: BOURDIEU, Pierre. A profissão do sociólogo: preliminares epistemológicas. Petrópolis: Vozes, 1999.

KUHN, Thomas Samuel. “As revoluções como mudança de concepções de mundo”. in: A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectivas, 1998.

LAKATOS, Imre. “Ciência: Razão ou religião?”. in: Falsificação e Metodologia dos programas de investigação científica. Lisboa: Edições 70, 1999.

LECOURT, Dominique. Para uma crítica da epistemologia. Lisboa: Maspero, 1972.

POPPER, Karl Raimund.“Ciência: Conjecturas e refutações”. in: Conjecturas e Refutações. 2ª ed. Brasília: UNB, 1982.

A mulher grega segundo Nietzsche

Por: Hênio Santos de Almeida

O conceito de “mercadoria” em Karl Marx

Por: Hênio Santos de Almeida


INTRODUÇÃO

Este diálogo fictício com Karl Marx tenciona proporcionar as pessoas uma ideia geral de seu conceito de “mercadoria” segundo Marx. Seguirei o modelo proposto por Sócrates, dialógico, no qual as ideias vão sendo construídas aos poucos, a fim de chegar ao conhecimento do assunto tratado. Optei por ter como interlocutor o próprio autor, em uma situação imaginária, onde ele explica o que escreveu em seu texto “Die Ware” (In: MARX, Karl. Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie. Buch I: Der Produktionsprocess des Kapitals. Hamburg: Meissner 1867, capítulo 1).

 

A MERCADORIA
(Die Ware)

 (Marx) – Hênio, o que está te deixando assim, tão preocupado?

(Hênio) – É que gostaria de explicar a várias pessoas teu conceito de mercadoria que aparece naquele aquele teu texto... A Mercadoria.

(Marx) – Mas qual o problema? Nós já conversamos sobre ele várias vezes... Pensei que tu concordavas com o que escrevi...

(Hênio) – Concordo, em parte, mas discutir é uma coisa, escrever é outra muito diferente...

(Marx) – Posso tentar te ajudar, se tu deixares, é claro.

(Hênio) – Eu aceito a ajuda...

(Marx) – Vamos começar então...

(Hênio) – A mercadoria é, na sociedade capitalista, a forma elementar da riqueza. O acúmulo das mercadorias significa acúmulo de riquezas...

(Marx) – Exatamente. A mercadoria é um objeto externo – uma “coisa” que possui propriedades – utilizado para satisfazer as necessidades (Bedürfnisse) humanas.

(Hênio) – E o que isso tem a ver com o valor da mercadoria?

(Marx) – Primeiro é necessário diferenciar o valor-de-uso e o valor-de-troca. O valor-de-uso é dado pela utilidade da mercadoria. Ela própria é um valor-de-uso. Esse tipo de valor só se realiza no consumo. É o conteúdo material da riqueza e os veículos materiais do valor-de-troca.

(Hênio) – E como sei sobre o valor-de-troca?

(Marx) – Através da relação quantitativa de valores-de-uso diferentes. Aparentemente, a mesma mercadoria tem vários valores-de-troca, pois pode ser trocada por várias outras em quantidades diferentes. O que acontece é que todos os valores-de-troca de uma mercadoria representam uma igualdade, expressando uma substância distinguível dele.

(Hênio) – Como assim? Não compreendi muito bem...

(Marx) – Hênio, se pegarmos duas mercadorias: o trigo e o ferro, independentemente da proporção das trocas, é possível expressá-la com uma igualdade, por exemplo, uma tonelada de trigo = n toneladas de ferro.

(Hênio) – Mas como comparar duas mercadorias de espécies diferentes?

(Marx) – Aí é que está: é como se houvesse uma terceira coisa, à qual as duas se igualam, mas que é diferente de ambas. Todos os valores-de-troca são redutíveis a essa terceira. Uma tonelada de trigo = x e n toneladas de ferro = x.

(Hênio) – Mas o que é essa “terceira coisa” tão misteriosa?

(Marx) – Calma, já chegamos lá. Antes, porém, é necessário vermos que diferentes valores-de-uso valem um tanto quanto o outro, se estiver na proporção adequada.

(Hênio) – E como isso se dá?

(Marx) – Como valores-de-uso, as coisas são de qualidades diferentes, mas como valores-de-troca são de quantidades diferentes, não restando nada de valor-de-uso.

(Hênio) – Deixa-me ver se entendi até aqui: o valor-de-uso de uma mercadoria é determinado por suas propriedades, que servem para satisfazer as necessidades humanas. O valor-de-troca, por sua vez, é a redução de dois ou mais valores-de-uso, diferentes em qualidades, a algo que lhes é comum e ao mesmo tempo diferente deles. Com essa redução, todos os valores-de-uso tornam-se iguais, se estiverem nas proporções adequadas.

(Marx) – Exato! Agora, voltando àquela pergunta anterior: ao retirarmos o valor-de-uso de uma mercadoria, só lhe resta a propriedade de ser produto do trabalho (Arbeit) humano. Abstraindo as formas e elementos que a fazem valor-de-uso, resta apenas o trabalho humano abstrato. A forma de medir o valor (Wert) de um bem é a partir da quantidade de trabalho nele contido, que é medido, por sua vez, pelo tempo de sua duração...

(Hênio) – Espera aí: se assim fosse, uma pessoa preguiçosa levaria mais tempo para produzir uma mercadoria, que teria um valor maior. E uma pessoa que, devido à sua habilidade, leva menos tempo para fazer a mesma mercadoria, consequentemente, teria um valor menor.

(Marx) – Aí que tu te enganas... Esse tempo de trabalho não é o tempo de um indivíduo particular, mas a média do tempo necessário para a produção (Produktion) da mercadoria. É o tempo socialmente necessário para se produzi-la.

(Hênio) – Mas como uma mercadoria pode mudar de valor então? E os aumentos de preços, como tu explicas?

(Marx) – É que o tempo socialmente necessário para a produção de uma mercadoria não é constante: ele varia se houver mudança na produtividade. Dá para tirarmos a regra: o valor de uma mercadoria varia na proporção direta da quantidade e na inversa da produtividade do trabalho aplicado nela.

(Hênio) – Humm... Entendi: se produzir muito num tempo curto, o valor de cada unidade será menor, pois será embutida uma quantidade menor de trabalho.

(Marx) – O trabalho possui um duplo caráter: um quando se expressa como valor, que é o trabalho útil, associado ao valor-de-uso da mercadoria; outro, quando gera o valor, que é o dispêndio da força humana. Mede-se o trabalho humano gerador de valor a partir do trabalho simples médio (t), ao qual o trabalho qualificado pode ser reduzido como trabalho simples multiplicado (xt). Isso permite que trabalhos qualitativamente diferentes sejam comparados. Se o valor de uma mercadoria representa o trabalho nela contido, é possível compará-las em determinadas proporções. O mesmo trabalho gera no mesmo tempo a mesma quantidade de valor, embora possa gerar quantidades diferentes de valores-de-uso.

(Hênio) – Se em uma hora, são produzidos duas mercadorias, o valor é de cada uma é igual a 1. Se, nessa mesma hora, são produzidas 4 mercadorias, o valor unitário será 0,5, já que a soma dará o mesmo valor de antes: 2. Certo?

(Marx) – Sim. E se for produzida apenas uma mercadoria, seu valor será 2.

(Hênio) – Agora poderei fazer o trabalho para entregar ao professor. Penso em transcrever nosso diálogo. Nada é mais válido que o próprio autor falar sobre sua obra. Obrigado, amigo!

(Marx) – Não há de quê! Se precisar de mais alguma coisa, tu sabes o meu endereço, é só escrever ou visitar.
 

A MERCADORIA
(Die Ware)


A mercadoria é a unidade básica da sociedade capitalista. O acúmulo de mercadorias é acúmulo de riquezas. Marx diferencia dois tipos de valores da mercadoria:

Valor-de-uso: É o tipo de valor que advém das propriedades da mercadoria. Só é realizado no consumo. Serve para suprir necessidades humanas;

Valor-de-troca: É o tipo de valor advindo do trabalho empregado para a produção da mercadoria. Serve para comparar mercadorias de valores-de-uso diferentes. É o valor propriamente dito.

 A partir dessa diferenciação, Marx define que o trabalho humano deve ser medido em relação ao Tempo Socialmente Necessário para a produção de dada mercadoria. Tempo que advém da média do tempo que os indivíduos (Individuen) levam para a produção. Esse tempo varia de acordo com as mudanças na produtividade, fazendo variar o valor das mercadorias. Marx passa, então, a diferenciar dois tipos de trabalho:

Trabalho útil: É o tipo de trabalho gerador de valor-de-uso;

Trabalho abstrato: É o tipo de trabalho gerador de valor. É o resíduo do trabalho humano, independentemente das diferenças qualitativas desse trabalho. É medido pelo trabalho simples médio, ao qual todos os trabalhos qualificados são redutíveis.

Reduzindo todos os tipos de trabalho ao trabalho simples, Marx constata que o valor de uma mercadoria é gerado pelo tempo requerido para sua produção. Tendo chegado a essa definição, Marx demonstra que o valor advém do tempo de trabalho e que o trabalho consumido em um tempo igual produz um mesmo valor, independentemente da quantidade de valor-de-uso produzida nesse ínterim. Se uma mercadoria é produzida em 1 hora, seu valor é igual ao valor de 6 mercadorias produzidas em 10 minutos cada. Uma mercadoria produzida em 2 horas tem o mesmo valor de duas mercadorias produzidas em uma hora cada. É essa igualdade de valor produzido pelo mesmo tempo de trabalho que permite as trocas de mercadorias diferentes, em suas proporções.
 

FETICHISMO DA MERCADORIA
(Warenfetischismus)


Aqui, Marx demonstrará que o mistério da mercadoria está na própria forma de mercadoria, pois o trabalho humano toma a forma de quantidade de valor. Dessa forma, as relações sociais dos produtores assumem a forma de relação social entre os produtos do trabalho.

A mercadoria é misteriosa por ocultar a relação existente entre trabalhos individuais e o trabalho total. A relação definida entre homens assume a forma fantasmagórica da relação entre coisas. Marx demonstra que em sociedades como a feudal, a relação social é mais visível e que na sociedade capitalista, o valor é computado como se fosse intrínseco à mercadoria.